Rigidez de pensamento e sua distorção da realidade

A inflexibilidade é uma característica possível de ser encontrada em qualquer pessoa, mas possivelmente catastrófica quando apresentada com grande frequência ou intensidade. Ela se caracteriza basicamente por pensamento dicotomizado – tudo ou nada, bom ou mal – e pode permear em diversas situações como: relacionamento amoroso, relacionamentos sociais, situações de trabalho, política, religião, criação de filhos, etc.

Quanto mais dicotomizado o pensamento fica, menos empatia é apresentada e menos se entende o sofrimento do outro ou as milhões de possibilidades. Há um reducionismo em apenas uma opção “o outro fez isso porque não se importa” ou “essa é a única forma de resolver essa situação”. Quando essa forma dicotomizada de pensamento está presente, qualquer discordância é encarada como absurda e o comportamento imediato é rejeitar completamente tudo que está sendo falado pelo outro sem a menor reflexão sobre o assunto “se o outro não concorda é porque ele é mau ou tem más intenções”.

As soluções apresentadas por esse tipo de pensamento são ingenuamente simples e igualmente inacessíveis. Coisas como: “se o outro gosta de mim não vai discordar comigo”, “estou sendo enganado se o outro não me falar tudo que faz e pensa”, “se meu marido/esposa não fizer tudo que espero dele é porque não gosta de mim”.

Ele também categoriza as pessoas e as divide em eu e o outro ou nós e eles.

“Ou concorda comigo em tudo ou não é meu amigo”.

O outro é visto como deliberadamente enganando, os causando sofrimento.

Esse pensamento rígido e dicotômico tem origem biológica. Em sua evolução, o homem precisava rapidamente identificar ameaças à sua sobrevivência e também precisava pensar em soluções simples sobre como lidar com as ameaças. É meu amigo ou inimigo? Inimigos apresentam perigo. Se apresentar perigo devo fugir (me afastar) ou matá-lo. Essa lógica simples de resolução de problemas era fundamental para o sucesso.

Dentro de nós ainda existe muito dessa herança biológica. Então podemos ter tendência à rigidez, principalmente em situações ameaçadoras ou que interpretamos como ameaçadoras.

Uma criação onde pessoas significativas eram abusivas, ou seja, um ambiente mais perigoso, faz com que o indivíduo desenvolva características mais rígidas justamente com esse gatilho de sobrevivência. Tendo tendência ou não a rigidez, situações ameaçadoras podem influenciar o surgimento ou aumento da dicotomização, situações como:

  • Perigo de perder alguém que se ama.

  • Insegurança proveniente da própria situação ou intrínseca da pessoa.

  • Qualquer tipo de ameaça física ou psicológica, proveniente da própria situação ou intrínseca da pessoa.

  • Se você percebe essa tendência nas suas ações, alguns questionamentos podem ser bastante úteis?

  • Isso te aproxima ou afasta das pessoas?

  • Sua estratégia de resolução de problema realmente resolve os seus problemas ou só cria novos problemas?

  • Você costuma focar seus problemas nos outros de forma que você não vê nada que possa fazer nas situações e se afasta?

Sim, você vai me dizer que as pessoas que se afastou não valiam a pena e em muitas situações isso é correto, a questão importante aqui é:

Esse comportamento está impedindo que você tenha pessoas significativas? Esta afastando tanto dos outros que seus relacionamentos amorosos e sociais costumam não durar por muito tempo? Você sempre precisa estar em busca de relacionamentos novos? No final das contas você se sente muito sozinho?

Baseado nessa visão da situação você pode acabar utilizando de duas estratégias:

  1. Se afastar de todas as pessoas que não cumpram o seu alto nível de expectativas.

  2. Acabar virando abusador sem perceber. Ao ver os outros como mal intencionados e você mesmo, como observador passivo da situação, ao mesmo tempo não se flexibilizando para entender o outro. Nessa ótica, o outro vai parecendo mais e mais perigoso. Seguindo aquela ótica da sobrevivência, se o outro é perigoso deve ser eliminado. Isso começa a justificar dentro de você uma série de comportamentos como gritar, humilhar, bater, etc.

Se você se identificou, aí vão algumas dicas importantes.

Rigidez é um modo de defesa. Costuma ser provocada pelo medo, medo de ser quem você é, medo de rejeição, insegurança, medo de olhar para aquelas coisas bem doloridas do passado, medo dos sentimentos dentro de você. Se você começou a achar essa última frase absurda, já que não tem medo das coisas aí vai uma avaliação interessante.

Sendo medo um sentimento comum a todas as pessoas, e evolutivo por sinal, será possível que alguém não tenha medo? Ou não ter praticamente nenhum medo ou insegurança poderia ser uma estratégia de supercompensação para não olhar pra isso?

Então voltando à parte de olhar o medo…

Se a rigidez é uma estratégia de defesa que pode ser provocada pelo medo de algo ou por alguma ameaça, não há como reduzir a rigidez sem reduzir o medo, certo? O problema é que quanto mais dicotomizado o pensamento fica, mais a situação parece ameaçadora e as soluções simples vão com o tempo se mostrando ineficazes. O que também aumenta a percepção do perigo. Por isso, esse tipo de característica é difícil de desconstruir, já que cada parte dela reforça o medo e o perigo e a insegurança.

Mesmo sabendo que é difícil, algumas coisas podem ser feitas.

  • Você pode tentar entender a origem desse sentimento no seu histórico, de onde surgiu essa percepção rígida das coisas.

  • Exercite empatia, entenda que os outros não costumam pensar nem sentir o mesmo que você.

  • Entenda que leitura de mentes não funciona. Então, provavelmente sua explicação para a ação do outro é, no mínimo, tendenciosa.

  • Quer saber o que o outro quer ou pensa? Pergunte pra ele. Dê a oportunidade dele expressar seu ponto de vista.

  • Quando o outro expressar seu ponto de vista, realmente tente compreender. Nada de ficar bolando o próximo argumento para vencer a discussão.

  • Seja para os outros o que quer que eles sejam pra você! Clichê, mas verdadeiro. Como esperar simpatia sendo grosseiro? Como esperar amor sendo crítico? Como esperar que os outros sejam confiáveis sem realmente confiar neles?

Entenda que vai ser difícil e que não há como mudar tudo isso de uma hora para a outra. Não seja consigo mesmo a figura abusadora que combate nos outros. Quanto mais rígido é consigo mesmo, mais esse ciclo se reforça.

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Referências: Toda essa reflexão foi feita a partir do livro Prisioners of Hate de Aaron Beck

1 comentário em “Rigidez de pensamento e sua distorção da realidade”

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