Por Patrick Suman. Farmacêutico. Mestre e doutorando em Farmacologia (UFSC).
Vivemos em uma era onde a informação esta literalmente na palma da nossa mão. Toda e qualquer dúvida pode ser respondida em segundos com alguns cliques em uma tela sensível ao toque. Consultamos o tempo, o trânsito, nos comunicamos uns com os outros, analisamos a quantidade de passos no nosso dia e até nossos batimentos cardíacos. Dependemos cada vez mais das nossas pequenas telas, do acordar ao dormir (ah! Você pode analisar seu sono também).
É bem verdade que isso facilitou muito a nossa vida e não podemos negar isso. Ele é nossa agenda e nossa secretária pessoal que nos lembra daquele compromisso já esquecido e realiza tarefas que facilitam nossa vida. E a sensação de baixar aquele aplicativo que nos recompensa pelo seu uso? E toda que vez que recebemos uma notificação da rede social ou aquele e-mail da compra online feita ali mesmo, na palma da sua mão sentimos uma incrível sensação de felicidade e prazer, não é? Mas será que os nossos smartphones passam mesmo essa sensação de felicidade? Na verdade, o que o aparelhinho que pode estar vibrando no seu bolso agora mesmo faz, é liberar uma série de substâncias no seu cérebro e vamos falar um pouco sobre isso.
Uma dessas substancias é a Dopamina, um neurotransmissor do sistema nervoso central que está envolvido com o sistema de recompensa, que por sua vez está intimamente ligado à adição. Essa liberação de Dopamina, em determinadas regiões do cérebro, nos causa uma sensação de prazer que basicamente diz para o nosso cérebro “Isso é bom! Eu quero mais!”. Isso acontece quando fazemos alguma coisa agradável, por exemplo comer aquele pedaço de bolo que gostamos ou comprar alguma coisa que queríamos muito. Acontece também quando fazemos sexo, por exemplo. Na verdade, trata-se de um mecanismo ancestral, uma forma de o cérebro nos dizer que comer bem ou se reproduzir é vital para sobrevivência, e por isso, devemos repetir sempre que possível. Ou seja, quando sentimos aquela sensação boa pelo corpo todo, sem contar naquela felicidade instantânea, tudo isso nada mais é que o prazer gerado pela liberação da dopamina em determinadas regiões do cérebro.
Isso não significa necessariamente que a tecnologia, como um todo funcione em nossos cérebros como a adição em álcool ou drogas. E este nem é o objetivo do texto. Até onde sabemos, a dependência tecnológica não apresenta sintomas de abstinência viscerais como por exemplo dores de cabeça, um dos critérios diagnósticos para adição. No entanto, ainda desenvolvemos uma dependência dos nossos smartphones. Existem diferenças entre sentimento de contentamento e prazer e aqui que entra a serotonina. (Se você estiver em dúvida sobre o que são neurotransmissores e como eles agem, esse texto aqui pode te ajudar)
Já mencionei que a dopamina está relacionada ao prazer e que a serotonina está relacionada a felicidade. Mas se as duas agem no cérebro, porque tem efeitos diferentes? E porque prazer não pode ser felicidade e vice-versa? Bem, este é o verdadeiro objetivo do texto e a imagem abaixo pode te ajudar a entender.
Nosso cérebro está sendo inundando com substâncias a todo instante e em todas as suas regiões. Acontece que (como você pode ver pelas setas azuis no lado direito da imagem) a serotonina “espalha” a felicidade para diferentes partes do cérebro. Para que isso aconteça, as regiões que estão recebendo essa “felicidade” necessitam contar com alguns alvos, que são chamados de receptores. Sabe-se que a serotonina tem pelo menos 14 receptores diferentes e essa ação espalhada pelo cérebro é parte da razão pela qual a felicidade pode ser sentida de tantas maneiras diferentes. Sensações de alegria, amor e contentamento são desencadeadas durante as interações que a serotonina tem com seus receptores nas diferentes partes do cérebro em que ela atua (setas azuis).
Por outro lado, a dopamina possui apenas cinco desses receptores cerebrais e suas interações são mais restritas (como você pode ver pelas setas vermelhas, no lado esquerdo da imagem). A ligação da dopamina com seus receptores alimenta sentimentos e sensações de desejo e motivação. O quadro abaixo também ajuda a ilustrar as diferenças.
Por fim, sabendo que a dopamina está envolvida na regulação do sistema de recompensas, as empresas que criam e desenvolvem aplicativos, criam seus produtos pensando na sensação rápida de prazer proporcionada pela recompensa rápida e a felicidade instantânea. A recompensa pode vir na forma de um sistema de pontos, com o desbloqueio de funções, ou por exemplo, quando você sobe de nível. Coisa parecida acontece com as redes sociais. Um estudo de 2013, da Universidade Livre de Berlim descobriu que as famosas curtidas do Facebook também ativam o sistema de recompensa e por isso não conseguimos excluir nosso Facebook. Ou seja, quando alguém na sua rede social curte ou comenta sua publicação seu smartphone emite uma notificação, uma descarga de dopamina é liberada e esse ciclo se repete todos os dias.
O vídeo abaixo (em inglês com legendas) ilustra um pouco mais sobre o texto e traz algumas informações relevantes a respeito do assunto.
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=W6CBb3yX9Zs&w=560&h=315]
Saiba mais:
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The Hacking of the American Mind: The Science Behind the Corporate Takeover of Our Bodies and Brains. Robert Lustig
- Has dopamine got us hooked on tech: https://www.theguardian.com/technology/2018/mar/04/has-dopamine-got-us-hooked-on-tech-facebook-apps-addiction
- What happens to your brain when you check your phone all the time (vídeo em inglês) http://www.businessinsider.com/smartphone-effects-on-your-brain-2016-10